A última década testemunhou a ascensão exponencial do empreendedorismo, um termo que ressoa em todos os setores produtivos, redefinindo a visão de mercado, corporações e a sociedade como um todo. Inovação e empreendedorismo tornaram-se o lema, revolucionando desde o agronegócio até os cuidados com a saúde.
No âmbito da saúde, estamos testemunhamos uma verdadeira mudança. Quem poderia imaginar, há alguns anos, realizar consultas médicas através de um computador? Essa mudança disruptiva, embora inquietante para os tradicionalistas, desafia a visão convencional, incentivando a percepção além do alcance do estetoscópio. O avanço tecnológico ampliou as possibilidades de empreender, gerando ideias fervilhantes em mentes inovadoras determinadas a aliviar as dores do mundo. Contudo, em meio a tantas discussões, uma pergunta não se faz imprescindível: qual dor estamos verdadeiramente aliviando? No contexto da saúde, um campo que abraça a complexidade biopsicossocial, esse questionamento assume um papel crucial.
No Brasil, cerca de 75% da população não possui plano de saúde, dependendo exclusivamente do sistema de saúde público. Com a crescente inflação e sinistralidade das seguradoras, os planos de saúde tendem a tornar-se mais onerosos e, portanto, mais inacessíveis, empurrando mais pessoas para dependerem do SUS no futuro. Assim, um resultado catastrófico sobre a rede se anuncia para as próximas gerações. Essa previsão preocupante suscitou um painel de discussão no último Congresso de Associação Nacional dos Hospitais Privados (Conahap), sendo o próprio presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Paulo Rebello, a verbalizar tal temor.
Na recente HackMed Conference em agosto deste ano, fomos desafiados a refletir sobre como inovação e empreendedorismo podem aliviar as dores de diferentes realidades em nosso país. Este desafio permeia em escala mundial já que as dificuldades encontradas no Brasil se refletem em cerca de 80% da população do globo a qual se encontra em países em desenvolvimentos e nações pobres, estas situadas entre os piores IDHs do mundo.
Assim, pergunto: já consideramos o impacto que uma ideia inovadora pode ter além do lucro? Uma visão que não apenas transforma vidas, mas molda o mundo ao nosso redor? Este é o cerne do empreendedorismo social, desafiando as abordagens convencionais de negócios e filantropia para gerar soluções inovadoras e impactantes em problemas sociais complexos.
No âmbito da saúde, empreender dessa forma passa a fazer mais sentido. O empreendedorismo social visa criar e implementar soluções sustentáveis para desafios sociais, culturais e ambientais. É uma abordagem que combina a mentalidade empreendedora com a missão de gerar impacto positivo na sociedade. O que diferencia os empreendedores sociais dos empreendedores tradicionais é que, embora haja uma busca por ganhos financeiros, estes não são o principal objetivo, mas sim uma consequência. Primeiramente, busca-se o ganho social.
Embora possa parecer desafiador frente à busca generalizada pelo próximo unicórnio empresarial, como profissionais de saúde, temos uma responsabilidade inegável para com a sociedade. Reconhecemos a grande importância da segurança alimentar, educação, moradia e liberdade de movimento sem o temor da violência para a construção do bem-estar físico e mental. Como disse Hanna Arendt: “É impossível estar feliz com um estado de coisas em que ser livre do medo da necessidade seja ainda privilégio de poucos“. Livrar as pessoas do medo da necessidade… não seria uma dor plausível para tentar solucionar?
Afinal, para quem estamos tentando empreender?
Nos próximos artigos para o Hackmed Blog, contarei a história brilhante do professor Muhammad Yunus e como ele criou o primeiro banco de microcrédito do mundo para acabar com a pobreza em Bangladesh. Exemplo de sucesso do empreendedorismo social, o professor Yunis, com seu modelo de negócio, conseguiu tirar cerca de 12 milhões de pessoas do medo da necessidade.