Você emprestaria dinheiro facilmente a alguém? Acredito que se fosse para uma pessoa que você conheça bem, dependendo do valor da quantia, até emprestaria, considerando que ela te devolveria em algum momento. E se fosse para alguém que você nem conhecesse? Dificilmente, certo? Mas há alguém, ou melhor, uma instituição, que faz isso: o banco!
Os bancos emprestam dinheiro para diversas pessoas, com regras bem estabelecidas sobre como isso deve ser feito e quais garantias devem ser exigidas. É necessário dar uma prova ao banco para ser digno de receber a confiança do empréstimo. Geralmente, isso implica em muita papelada, burocracia e uma verificação minuciosa de sua renda e histórico financeiro.
Sabendo disso, se você fosse dono de um banco, emprestaria dinheiro a uma pessoa miserável, que não tem mínimas condições de suprir suas próprias necessidades básicas de sobrevivência, e consequentemente, não teria condições de pagar um empréstimo, aumentando o risco de inadimplência? Creio que a resposta lógica seria um não categórico. Contudo, Muhammad Yunus, professor de economia de Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo, disse sim aos mais miseráveis e criou o primeiro banco para pobres do mundo – o Banco Grameen.
Yunus, incomodado com a discrepância entre o que ele ensinava em sala de aula sobre a riqueza das nações e o que encontrava além dos muros da Universidade de Chittagong, resolveu colocar as mãos na massa e criar uma solução para acabar com a pobreza em Bangladesh. Na década de 70, Yunus resolveu conhecer as comunidades que circundavam a universidade e buscou entender como era a vida dessas pessoas. Ele encontrou uma situação estarrecedora e triste.
Em uma de suas caminhadas com seus alunos para um levantamento de dados sobre a situação econômica e social da região, encontrou uma jovem mulher chamada Sufia que vendia cestos de bambu para sobreviver. Ele descobriu que Sufia pedia dinheiro emprestado a intermediários para comprar material para fazer o produto que vendia para obter renda. Ela tinha que pegar cerca de 22 cents de dólar emprestados, vender o cesto por 24 cents e pagar o empréstimo de 22 cents que tinha feito. Seu lucro era de 2 cents. Com tal valor, Sufia tentava sustentar seus três filhos.
Essa situação condenava Sufia à extrema pobreza, e o fato de ser mulher piorava sua condição, pois ela não poderia sair para trabalhar fora ou pedir dinheiro emprestado a um banco convencional sem a autorização de seu pai, irmão mais velho ou marido, pois a região seguia os costumes da religião islâmica, que impunha restrições às mulheres.
O professor Yunus percebeu que essa situação era comum em dezenas de famílias em Bangladesh e teve a ideia de criar um banco de microcrédito, que pudesse oferecer pequenas quantias, com condições flexíveis de pagamento, para que pessoas na mesma situação que Sufia pudessem ter a chance de sair da miséria e não se submeterem a agiotas ou intermediários exploradores.
Yunus procurou diversos bancos em seu país para iniciar seu projeto, porém, nenhuma instituição bancária tradicional aceitou a proposta de atender pobres em suas agências, muito menos emprestar dinheiro a indivíduos sem nenhuma garantia. Assim, ele decidiu criar seu próprio banco, uma espécie de contracultura, fazendo tudo de maneira diferente do que era visto no sistema financeiro padrão.
Cerca de 80% das pessoas que ele visava atingir não sabiam ler ou escrever, então Yunus eliminou a burocracia e a papelada de seu banco. Ao invés de as pessoas irem a uma agência, ele enviou seus funcionários, que eram seus alunos do curso de economia, para irem até as comunidades. Os funcionários deveriam ir a pé ou de bicicleta, usar roupas simples e se hospedar em casas modestas para que pudessem se identificar com a comunidade que seria assistida. Lá, eles realizavam uma série de reuniões para explicar o funcionamento do banco, que tinha os seguintes pilares:
- Microcrédito: concessão de empréstimos a indivíduos sem garantias convencionais ou colaterais. Esses empréstimos são destinados a pequenos empreendimentos, permitindo que os clientes criem ou expandam negócios informais, como agricultura, artesanato, comércio, entre outros.
- Foco na população de baixa renda: O banco prioriza atender as necessidades financeiras das pessoas de baixa renda, especialmente mulheres, com o objetivo de ajudá-las a melhorar suas condições de vida por meio do empreendedorismo. O compromisso da Grameen era que mais da metade dos clientes do banco fossem mulheres.
- Grupos Solidários: utiliza o sistema de “grupos solidários”, nos quais os mutuários são organizados em pequenos grupos. Cada membro do grupo é responsável por garantir o pagamento do empréstimo, e a falta de pagamento por um membro pode afetar o acesso ao crédito dos outros.
- Baixas taxas de juros: Os empréstimos do Banco Grameen são concedidos a taxas de juros baixas em comparação com os empréstimos oferecidos por instituições financeiras tradicionais. Isso visa tornar o crédito mais acessível para os pobres e promover a inclusão financeira.
- Ênfase na responsabilidade social: O modelo de negócio do Banco Grameen enfatiza não apenas a concessão de crédito, mas também o desenvolvimento social. Ele busca capacitar os mutuários por meio de programas de treinamento, educação financeira e apoio para melhorar suas habilidades em administração e gestão de negócios.
Com esse modelo de negócio, o Banco Grameen já conseguiu romper o ciclo da pobreza na vida de mais de 12 milhões de pessoas. Desde sua criação, já emprestou cerca de 10 bilhões de dólares. O modelo de microcrédito do professor Yunus foi tão bem-sucedido que expandiu suas fronteiras para além de Bangladesh, tendo bancos na América Latina, Índia, África e em 2021 chegou ao Brasil. Por sua ideia revolucionária e impactante, o professor Yunus e o Banco Grameen ganharam o Prêmio Nobel da Paz em 2006.
O professor Yunus mostrou que é possível quebrar o ciclo vicioso da pobreza quando nos dispomos a fazê-lo, utilizando nossos dons, conhecimento e influência para mudar essa dura realidade. Ele nos provou que a pobreza persiste no mundo porque nos acostumamos a vê-la sem questionar o porquê. Ele também desmistificou a falsa crença de que os pobres precisam de formação para empreender, ou que são incapazes de tomar decisões racionais. “A pobreza não é uma falta de talento, é uma falta de oportunidade. Se não temos um ambiente favorável para desenvolver nosso potencial, nunca saberemos o que temos dentro de nós”, afirma em um de seus livros.
E então, nós, que temos tido a oportunidade de estudar e aprender, estamos empreendendo para quem? No próximo texto, contarei a história de Blake Mycoskie, criador da Toms – uma empresa de sapatos. Mycoskie, com um incrível storytelling, conseguiu faturar 10 milhões de dólares no primeiro ano de sua empresa doando sapatos para crianças pobres na Argentina.
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